A autocompaixão conecta o desejo interior de estar saudável e feliz. Se nós nos ocupamos de nós mesmos, damos início a um amadurecimento e a um crescimento psicológico, com mais consciência, mais sabedoria e mais amor – por nós e pelos outros. Certamente vamos querer mudar os padrões de conduta, mesmo que isso signifique renunciar a certas coisas que gostamos ou que temos apego.
No livro Self Compassion, Kristin Neff fala sobre o esforço puro e prolongado (definição de Buda) como qualidade motivadora da autocompaixão. Provém do desejo natural de curar o sofrimento, solucionar o problema, e não é o resultado de um comportamento egoísta. E podemos ser amáveis e sensíveis nesse caminho de aprendizado e de mudança. Podemos reconhecer que a vida é dura, que os desafios fazem parte da experiência humana. Por sorte, a amabilidade e o apoio criam sentimentos positivos e nos ajudam a seguir nessa busca diária pelo cultivo da autocompaixão.
Essa passagem do livro pode ser automaticamente associada à filosofia grega (e aos estudiosos dessa filosofia, como o francês Michel Foucault). No conselho do Oráculo de Delfos aos antigos gregos, “conhece-te a ti mesmo” é considerado o marco inicial da longa trajetória da humanidade rumo ao autoconhecimento. Conhecer-se é o ponto de partida para uma vida equilibrada e, por consequência, mais autêntica e feliz. Nessa visão, maturidade não é um desdobramento natural do tempo vivido, e sim resultado da vontade, do esforço de cada indivíduo em conquistá-la.
Em Apologia de Sócrates, Sócrates (por meio de Platão) é o encarregado pelos Deuses de lembrar e incentivar os homens a ocuparem e cuidarem de si mesmos. Ao proclamar o cuidado de si em Atenas, ele abre mão de uma série de situações consideradas vantajosas, como fortuna e cargos de poder e que, agindo assim, conseguiu despertar, pela primeira vez, os cidadãos de Atenas de um profundo sono. Portanto, o cuidado de si é a realidade mais admirável, pois proporciona algo equivalente a uma vida consciente, ativa e desperta.
Quando o “conhece-te a ti mesmo” surge na filosofia, precisamente com Sócrates, aparece como uma aplicação particular de uma regra mais geral: o cuidado de si. Ocupar-se consigo mesmo é condição para governar os outros, reflete no nosso externo – nosso entorno, nossa vida em sociedade e nossas relações. Quando fazemos o exercício de nos cuidarmos e nos olharmos, abrimos espaço para reflexões importantes como: que qualidades do coração e da mente queremos fomentar e nutrir em nós mesmos e levarmos para o mundo? De quais qualidades da mente ou comportamentos gostaríamos de nos libertar?
A segunda questão não pode ser negligenciada. Ao longo da nossa jornada diária há obstáculos que nos bloqueiam, porque são acompanhados de tristeza, traumas, frustrações, emoções negativas. Mas, se há sofrimento, precisamos reconhecer que ele existe. E a autocompaixão primeiramente requer que tomemos consciência dele e dos hábitos que obstruem nosso próprio bem-estar. Também nos conduz a um comportamento proativo (em lugar de passivo) para melhorar a situação pessoal. Ter compaixão por si mesmo não significa crer que “os meus problemas são mais importantes que os seus”, mas sim pensar que os meus problemas também são importantes e requerem a MINHA atenção (e não a dos outros). Ou seja, mais uma vez, o ponto de observação e consciência é “preciso me ocupar de mim mesmo”.
A autocompaixão é um presente precioso ao alcance de qualquer um que esteja disposto a se descobrir. Quando desenvolvemos o hábito da bondade interior, o sofrimento se converte em uma oportunidade para experimentar amor e ternura com nós mesmos. Não importa quão difícil estejam as coisas. Podemos acalmar e consolar nossa própria dor, por meio de um genuíno cuidado com nós mesmos. Não precisamos de ninguém para nos brindar com calor e compaixão para nos sentirmos dignos de amor. Não temos que buscar fora de nós a aceitação e a segurança que desejamos. Quem pode saber melhor que você como se sente abaixo dessa fachada alegre? Quem conhece melhor o alcance da dor e do medo que você enfrenta, quem sabe melhor do que você o que você necessita? Quem é a única pessoa da tua vida que está disponível por 24 horas do dia e sete dias da semana para te proporcionar amor e acolhimento? Você.
Somos merecedores de carinho e atenção. A autocompaixão é uma poderosa ferramenta para conseguir cultivar as causas do nosso bem-estar e da nossa satisfação pessoal. Ao brindarmos com nós mesmos afeto e consolo incondicionais, aceitando ao mesmo tempo a experiência humana, por mais difícil que seja, evitamos condutas negativas como o medo, a negatividade e o isolamento. Ao mesmo tempo, fomenta estados mentais positivos, como a felicidade e o otimismo.
Texto com base no livro Self Compassion, de Kristin Neff
Foto: Sharon McCutch